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Primeira participação especialíssima no Fora do Lugar? No Brasil é do Sérgio Rocha. Um amigo português. Ele é de Espinho, uma cidade perto de Porto, Portugal.
E hoje ele passou por uma situação interessante. Escreveu um texto muito legal e compartilho aqui com vocês.
Com a palavra, Sérgio:

“Você é Engenheiro?”, perguntou-me o vigilante do Parque de Estacionamento onde normalmente deixo o carro, junto da obra. Não foi difícil para ele acertar, estando eu com o capacete branco na mão, vindo da obra e dirigindo-me para o carro para ali aguardar pelo final da hora de almoço, na sombra e sentado.

“Conhece a empresa…?”, atirou ele depois de eu lhe confirmar o óbvio.


“Não, não conheço. Na verdade, eu sou português e estou há pouco tempo no Bras

il”, respondi-lhe com aquele medo de que não me entendesse.

“É mesmo? Meus antepassados são de Portugal. De onde você é?”. Expliquei-lhe que era de Espinho, uma pequena cidade próxima do Porto. “Ah! Porto. Minhas origens são de Coimbra. De vez em quando eu ouço fado. Fado, essa palavra que significa destino”.

Alexandre é de estatura média e tem pele escurecida pelo sol e não deve ter mais de 40 anos. Os seus bisavós eram de Coimbra. Perguntei-lhe se ele os conheceu.

“Sim, foi até o meu bisavô que me ensinou o que era o Fado”, contou-me.

E continuou: “Eu gosto de saber a minha origem, de onde vim e quem sou. Por exemplo, a origem do meu nome. Alexandre significa ‘defensor dos homens, ou da humanidade’ e também ‘líder de homens'”.

Sem se deter, e sem que eu conseguisse que abrandasse, ele vai disparando: “fui assim desde pequeno, sempre querendo saber mais de tudo. Como era diferente, neste aspecto, de todos os da minha idade, eu era visto como um doido”. E aproveita para me explicar a origem da palavra doido. “Na verdade, ela está associada à ingenuidade”, começa por me dizer, para depois me revelar que a origem vem do nome de uma ave, a ‘Dodó’, natural das Ilhas Maurícias, ilhas em que os primeiros a chegar foram os Portugueses. “Essas aves, como não estavam habituadas à presença de caçadores e predadores, eram facilmente aniquiladas. Por isso os portugueses sempre se referiam aos ingênuos e que parecem ser fora do normal, como sendo ‘dodós’, originando os ‘doidos'”.

“A vida foi-me levando…”, disse-me ele.

Um professor, apercebendo-se da ‘diferença’ do Alexandre, resolve fazer-lhe um teste de QI. “Cento e quarenta e cinco, eu tive no teste”, conta o meu homônimo (sim, eu também sou Alexandre, como ele, defensor da humanidade), “o normal seria ter 100”. Depois, mais uma revelação: “desde pequeno que aprendi a falar Russo”, e fala um pouco para mim interrompendo para mais uma achega: “Sabia que o Russo é muito semelhante ao Português?”, e disparou meia dúzia de palavras em português e a sua tradução em Russo.

Convenceu-me. Aprendeu a língua com um músico russo seu vizinho e que lhe dava aulas de Violino. “Durante as aulas, o professor xingava-me em russo e eu queria entender o que ele dizia”. Foi assim que ele aprendeu.

“Violino, Alexandre? Mas você tocou, ainda toca?”, perguntei, sinceramente interessado.

“Agora toco violoncelo, gosto mais do som. Mas toco só de vez em quando. Quando tocava violino, e era mais jovem, cheguei a pedir um visto na embaixada da Rússia para ir estudar violino para o ‘Pequeno Bolshoi’ em Moscovo. Mas foi na altura dos momentos conturbados na Rússia, com o fim da Perestroika e do Gorbatchev”.

“É…a vida foi-me levando…”, repetiu.

Voltei para a obra, pensando na conversa, no que aprendi e do quanto deslocado me pareceu o Alexandre naquele lugar. Regressei mais tarde para retirar o carro. Fui ter com ele, fiz o pagamento e ele perguntou-me:

“Se eu lhe pedisse um Conselho, qual você daria?”

“Um conselho? Sobre que assunto?”, respondi, perguntando.

“Com a sua experiência, da sua vida, e pelo que conheceu hoje de mim, me dê um conselho qualquer, um que ache apropriado”, desafiou-me. Sim, senti a pergunta como um desafio. Aceitei-o:

“Alexandre, tente levar você a vida para que não seja sempre ela a lhe levar, para que você um dia se sinta no lugar que quer, que julga merecer e lhe faça sentido. Para que não seja sempre a vida a lhe levar”, atirei com uma convicção que eu próprio estranhei, mas que senti ter sido do agrado e de ter estado à altura daquele que me desafiou.

Despediu-se de mim dizendo para eu ter paciência, “porque alguns brasileiros não têm uma boa imagem dos portugueses”. “É uma questão de educação, e aqui falta muita!”, rematou, sem me ouvir dizer que esse tipo de educação falta em todos os países, inclusive no meu.

É, existe gente fora do lugar. O Alexandre está, claramente, fora do lugar.

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