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foto retirada do facebook

Acordei num bom horário. Tenho acordado esse horário agora, por enquanto. Mas já passava das 8, início do horário comercial. Alarmada. Abri os olhos e peguei o celular. Liguei o botão da internet e ela voltou a funcionar. Milhares de notificações chegam. Corro e clico no whatsaap. Notícias da família? Todo mundo bem? Algum alarde novo? Não! Graças a Deus. Vamos agora ver os novos vídeos que estão circulando.. Ah, isso vejo mais tarde. Antes de me levantar tenho esperança do dia ser diferente e “normal”.

Já envio mensagem à família, vou sair para comprar pão. Vou la embaixo ver como estão as coisas e aí decido. Rapidamente, mesmo que estejam nos quartos ao lado, respondem.. não vá!

Levantei-me e a aventura começou. Olhei pelas janelas e não vi viva alma nas ruas e olhe que de minhas janelas eu vejo vários ângulos das ruas próximas no bairro. Quase nenhum barulho às 8 e pouco da manhã. Nenhuma loja que se avista aberta, nem padaria nem farmácia. Estamos em cárcere privado. Olhando nos dicionários na web, percebemos que o cárcere privado é quando você fica em confinamento, privado de sua liberdade em local fechado e trancado. É isso que estamos vivendo. No Brasil, no Espírito Santo, na capital e adjacências.

Já estão saindo nos jornais do Reino Unido, França, Estados Unidos, que eu tenha visto.. o caos, os vídeos, os roubos, a vergonha capixaba. Então o “pequeno estado no sudeste do país”, como eles nos intitulam, é a nova vergonha nacional no exterior. Os estrangeiros que aqui vivem não querem que seus parentes e amigos vejam as notícias.

“A Polícia Militar está sendo impedida por seus familiares de sair do batalhão”. Entre muitas aspas, pois o vídeo que assisti hoje deles prontos para sair às ruas e pedindo a meia dúzia de esposas e namoradas para sair e trabalhar foi ridículo.

Então retirei a cadeira pesada que eu havia posto para aparar a porta em caso de alguém tentar arrombar, para dificultar. Abri todas as trancas de cima e de baixo e ouvi um barulho. Susto. Era a zeladora do prédio. Nossa, ela veio trabalhar? Pois às 8 da manhã os seguranças particulares que contratamos para fazerem a segurança extra do prédio já tinham ido embora.

Surreal! Sim. Não moro num país que participa assim de guerras, mas parece que estou numa guerra civil. Ninguém estava preparado, falamos entre nós sobre mantimentos e quem tem comida suficiente em casa, para os filhos, para os animais de estimação, se alguém fez já supermercado esses dias, se pôs gasolina.. pois está tudo fechado desde ontem quando o terror tomou conta de todos em todas as partes da cidade e os marginais decidiram arrombar lojas  e todos tipos de estabelecimentos a fim de roubar tudo que podem e a população em volta decidiu ajudar e roubar também… que vergonha! Caráter é algo que se constrói, não importando o nível social. Flagraram uma candidata a vereadora de uma cidade cheia de sacolas nas mãos. Quantas vezes quero repetir em meu texto a palavra vergonha!?

Desci no elevador que parou num certo andar e, quando vi, um vizinho estava entrando com sua cadela dálmata. Perguntei se ele já tinha saído e como estavam as ruas pois eu ainda não tinha idéia, estava indo para ver, corajosa! Larguei o celular em casa e saí. Sem brinco, sem nada, apenas o cartão de crédito nas mãos, no bolso aliás.

O vizinho forte que tinha um cachorro me ofereceu para me levar na padaria que fica a uns três quarteirões da minha casa. Eu perguntei porque ele iria sair de carro e disse que estavam roubando os carros. Ele disse que tinha que pegar a filha que estava com a mãe na rua de trás e que o carro estava aqui na frente. Fui com ele, saí na rua em alerta, olhando para os lados. Fomos até lá e ele disse que me esperava no carro.. mas quando vi a fila para pegar o pão ía fora da padaria. Então avisei a ele que não precisava esperar , com medo. Ele disse: está tranquilo? Eu disse: não… mas pode ir, muito obrigada. Olhei em volta, ruas desertas e uma muvuquinha só na padaria…Pensei comigo, um bom alvo, lotada de gente pra ser assaltada..perigo. Mas já estou aqui, vou enfrentar. E a fila demorava, pois os pães saíam quentinhos e as pessoas pegavam quase tudo. A padaria, que vende coisas variadas já estava no lucro, pois foi a única que abriu uma das portas nesta manhã nas redondezas e todos estavam “fazendo compras ali” já que os supermercados estavam fechados.

Quase uma hora depois eu cheguei ao caixa com uma dessas cestinhas com algumas coisas que me faltavam, básicas, como arroz e açúcar. Pois fui atendida pelo possível dono, já que não foram todos os funcionários que conseguiram chegar. Não tem ônibus rodando. Não até àquela hora, por medo de assalto, além do que estavam queimando ônibus.. sim, botando fogo mesmo. Como ele não tem prática do caixa, ele demorou ao menos três vezes mais de tempo que os outros e eu fui ficando agoniada, preocupada, pois já estava ali fora de casa sozinha há tempo demais. A qualquer momento alguma coisa poderia acontecer na rua. Barulho estranho e pessoas olhando pro lado da padaria, algo estava acontecendo enquanto ele passava as compras todas de novo por ter errado alguma coisa. Fiquei de olho pela porta aberta ao lado, já que a porta atrás dos caixas estava abaixada, meio que pronta para só fechar a outra em caso de necessidade e de vandalismo começar.

Quando saio percebo que é o mini mercado ao lado que está abrindo e por isso todos olham desconfiados e preocupados. Avisto o comércio que vi ontem da minha janela aberto pela manhã e fechado a tarde. Está fechado. Na frente dele vários vídeos mostraram pessoas sendo baleadas, criminosos sendo perseguidos pela guarda municipal. Graças a Deus a guarda estava atuando, apesar de não serem tão capacitados para isso e não ser seu papel, fizeram um belo trabalho.

Sigo meu rumo para casa, saindo da muvuquinha da padaria, deserto.. um casal levando o cachorro pra caminhar e só… passos rápidos e preocupados ando até meu prédio e entro correndo olhando pra trás para ver se ninguém tentou entrar enquanto a porta fechava, sim pois isso aconteceu ontem com a amiga da minha amiga no prédio dela. Eles estavam rendendo os moradores querendo subir nos condomínios para fazer arrastão. Subo, dou notícia à família e vou comer, mas antes tranco tudo de novo me lembrando das forças armadas que o presidente do país enviou ao meu Estado ontem e que passou pela minha rua sendo aplaudida…e pensando.. onde será que eles estão desfilando agora? Pois nem sinal de sirenes, de polícia nas ruas.

Que vida é essa!? Mais um dia em cárcere, agora com mais mantimentos. Que Deus nos proteja e que até o final do dia tudo mude.

Releio meu texto e penso, meu Deus que que isso!? Será exagero? Pior que não, relatei nossa atual e terrível realidade nos últimos dias. Uma pena. Que as coisas voltem ao normal logo, quando a insegurança ainda reina, mas podemos viver nossa vida quase segura de cada dia.

É bom refletir nos refugiados sírios e iraquianos que fogem da guerra. Ontem isso passou pela minha cabeça, me recordando das visitas que fiz na Jordânia, país ao lado e que faz fronteira com estes. O que essas famílias não  passaram e é incontável, parecendo cena de filme e até mentiroso, pois o sentimento que estou tendo é terrível. Imagino tudo isso e mais, a padaria ao lado sendo bombardeada… a preocupação de bombas caindo no meio da minha casa, como dormir? Oremos por esses cidadãos de bem que largaram suas vidas, casas e país… tentando asilo em algum lugar, apenas para voltar a viver com o mínimo de dignidade.

07/02/2017 – Vila Velha – ES – Brasil




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